jeudi 5 janvier 2012

Portuñol Sin Fronteras, Futurista y Salvaje. 5ª y última parte.

 y última parte.


Hoje o Santiago nos convocou no escritorinho da editora, melhor dizendo, nas salas em que ele representa à editora de São Paulo. Um par de mesas desorganizadíssimas e quatro cadeiras de todos os tipos em dois espaços do segundo andar do predinho antigo da avenida Corrientes, quase esquina com Uruguay, bem em frente ao teatro San Martín; o mesmo onde o Rafa e Israel Vilhas montaram a redação de Orientación Socialista, séculos atrás, em plena ditadura militar argentina.

Santiago –o Índio de outras épocas- está sério e fuma sem parar, mas de repente muda e sorri; fica falante, conta a história de Monteiro Lobato em diante, volta até Gutemberg e demonstra quanto sabe de edição, impressão e livros em geral. Olha para o novo caderninho espiralado e ri, com a maior cara de sírio-libanês que seus genes generosos lhe autorizam:

-Isso mesmo, hua, hua!, é isso aqui o que eu quero! Tá vendo Xavi? Vê se aprende, meu- insiste o Santiago em irritar o Javier. –Tá tudo muito bom, tá tudo muito bem, mas realmente...-se faz de engraçado o chefe, mas o Sérgio, Antoine e Javier o conhecem bem e preferem não cutucar a onça com vara curta.

Vejam, aqui está a síntese histórica, os fatos e algo do por quê que a Confederação está triunfando nesses últimos 40 anos do novo século. A política, vocês sabem –todos fomos ou somos políticos, revolucionários ou não- é um teatro, um jogo de sombras chinesas. A economia é a jogada profunda, de interesses de classe. A luta entre os pobres miseráveis sem propriedades, e os poucos que as possuem é o que faz a economia rodar. Mas a essência é outra, mais embaixo da super-estrutura e mesmo da infra-estrutura- se dobra e desdobra Santiago, e Javier lembra de novo o enciclopedismo irritante do velho Israel Vilhas, mas o chefe só se parece com ele na sedução da inteligência, mas não no humor, não na pusilanimidade, não na covardia, que nunca viu no Índio de antigamente nem no Santiago de hoje. O chefe é iracundo e chato, mas é íntegro.

-Agora eu quero que vocês vão mais fundo. Quero a alma, a essência, não tenho tempo de lidar com mediocridades. Quero a língua do povo, as nuances dos dialetos regionais, exijo saber o que diachos é o portunhol, que foi o mercosul, o que houve com o castelhano e o português antigos, dos anos de 2015 e 2020- e começava a ficar ofegante a respiração do Santiago, e babava sem querer pelos cantinhos da boca, e Javier, Sérgio e Antoine pegavam sem fazer barulho as cópias do texto, saiam de mansinho, e fechavam a porta, sem um pio sequer.


Os grandes territórios das línguas se organizavam, entre 1980 e 2024, pelas mesmas hierarquias que regulavam os velhos impérios coloniais europeus. Era uma estrutura de dominação clássica, com um centro imperial, que no caso da língua portuguesa antiga era a Academia Brasileira de Letras, mesmo com o esperear caduco dos acadêmicos lusitanos e com a aprovação servil dos escritores africanos; com seus casacões, fardões elitistas e cadeiras cativas.

E no caso do castelhano antigo –o que antes alguns chamavam erroneamente de espanhol- era a velha Real Academia Española, na península ibérica, uma autoridade linguística que legislava, depois de ter “fixado, polido y dado esplendor” à língua castelhana. As antigas 22 academias eram as que colegiavam e referendavam todas as decisiões, e abordavam a edição das grandes obras acadêmicas.  Tinham até um brasão, um escudo que mostrava um crisol no fogo, uma figura que naquela época aparecia em todas as publicaciones acadêmicas. A língua era “unificada”: o poder legislador do trono sobre todo o território das 22 províncias onde a “língua de Castilla era falada com pequenas e insignificantes variantes”. Dizem que antes da escolha do emblema do crisol, em 1714, a alternativa do logotipo teria sido “uma abelha volando sobre um campo de diversas flores”, com uma clara legenda: “Aprueba y reprueba”.
Havia, claro, uma vasta rede de correspondentes, e a América Latina era o lugar onde os representantes das antigas colônias –os “filhotes de Leão”- enviavam suas longas listas de “regionalismos” e nuances pitorescos.
As estruturas do antigo império espanhol dos séculos XV ao XIX se repetiam no vasto território da língua: no alto havia uma autoridade rígida e um estado, e por debaixo os 22 “nuances pitorescos de uma vasta região”, a América.

As políticas imperiais das línguas portuguesa e espanhola eram sincronizadas pelo centro colonizador, que justapunha, limpava, agregava “regionalismos” e ajustava o passado com o presente, visando, no caso do castelhano, o purismo ao gosto tradicionalista dos autores do Século de Ouro.

Tudo isso levantou uma longa controvérsia, durante séculos, acerca de quais deveriam ser os princípios que regeriam os critérios léxicos e os ortográficos. Porque durante todo o século XX e a primeira metade do XXI, eram as mesmas políticas dos impérios ibéricos, que brilharam à luz da Cruz e a Espada nos séculos XVI ao XIX, usando as mesmas palavras de ordem em prol da unidade e dos laços que fundem o enorme continente Americano (os antigos EUA incluídos) com as velhas mães pátrias ibéricas.

Desenvolvida desde os reinos de Leão e Castela, muito antes da expulsão dos mouros, da chegada a América e o exílio dos judeus, a ortografia castelhana tinha ficado estandardizada sob a orientação da Real Academia Espanhola, com escassas modificações, mesmo depois da publicação da Ortografía de la lengua Castellana em 1854. Desde então, a política territorial conteve todas as políticas da história da língua antes chamada de espanhola, assim como naquele momento, o presente abrangia e continha todas as temporalidades, os “regionalismos e nuances” do idioma. Nebrija disse à rainha Isabel de Castilla, quando apresentou a sua Gramática, que a língua era instrumento do Império; e tanto era assim, que se pretendia que o controle se estendesse também à oralidade, buscando unificar até a pronúncia em todo o território da coroa de Castela, de acordo com a prestigiosa forma de Valladolid, e deixando definitivamente de lado o velho romance de Burgos, que estava nas origens dos primeiros escritos.

-É, mas a vida imita a arte; ou é amiga da arte, sei lá eu! - filosofa o Turco Santiago, controla a respiração, fuma um cigarro atrás do outro, e diz:

-É isso mesmo Xavi- insiste na provocação ao Javier. –Muito bom, Antoine, é isso ai. Parabéns, Sérgio; semana que vem vai chegar o depósito de São Paulo para o pagamento: 126 Gaúchos Guaranis por página editada e copidescada, quarta prova, e mais 18% de direitos autorais por semestre. Não esqueçam que agora vão chegar GG$ 3.800,00 de adiantamento para cada um. Não vão gastar tudo na farra. Chau!- Santiago fechou a porta ansioso e, obsessivo compulsivo que é, se dedicou a picotar página por página da segunda prova da qual não tinha gostado nem um pouco.

Mas, seria essa a “essência dos povos” que o nosso editor buscava na História da Confederação? Estaria a alma dos nossos povos escondida na floresta do Grande Chaco Boreal, ou embrenhado nos cipós amazônicos? Não seria o caso de relembrar aquele mestiço louco uruguaio que depois da batalha de Curupaiti -em que os paraguaios derrotam as tropas argentino-brasileiras na vergonhosa Guerra da Tríplice Aliança- se emaranhou pelo terreno barrento, encharcado pelas chuvas da estação, o que evitou que fosse mais uma presa fácil do fogo da artilharia guarani? Lembro que Javier me contava que o fujão teve que desaparecer e, escondido no meio das feras e comendo frutas silvestres, por fim se entregou à loucura, mas era uma doidura mansa, em que sonhava com desvarios proféticos, que faziam com que visse claramente o futuro.

E nesses sonhos do futuro, por fim concretizados na nossa realidade de hoje ele previa, por exemplo, que o Instituto Calderón de La Barca, criado para promover o espanhol internacionalmente, e a Real Academia finalmente se modernizavam e se transormavam na Associação de Academias da Língua, assim, a secas e sem o “Real”, e sem mais tentar “salvaguardar a unidade do idioma”, e muito menos “purificar, dar lustre e brilho”; o novo lema “unidade na diversidade” -lançado no longínquo 2007, num congreso da língua espanhola em Cartagena de Índias- marcou uma época com um objetivo prioritário: a unidade do idioma como língua de encontros, instrumento já não mais de dominação dos povos, mas de comunicação e de formação de um pátria em comum.

E Javier, agora Xavi para os amigos, lembrava das histórias do seu avô, quando desembarcou na velha rodoviária da Luz, em São Paulo, e ao invés de pedir uma ficha de telefone, a primeira coisa que fez foi solicitar ao senhor do balcão “uma filha”. Coisas do portunhol que o coração explica e a razão não entende.

Javier Villanueva, basado en hechos reales, y en datos e interpretaciones de Antoine Barral. São Paulo, 5 de enero de 2012.

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